sábado, 4 de novembro de 2017

FRASES DE UM LIVRO LIDO (121)


AQUELE SEGREDO SÓ SEU, NINGUÉM MAIS SABE E NEM PODE SABER - REVELO OU NÃO O MEU?
Esse meu filho me deixa mesmo de cabeça quente. Voltou de Araraquara e fui busca-lo da carona na porta do Habib’s. Entrei e conversamos, ele comendo, eu vendo a livraiada que trouxe na matula. Um deles na mão e dizendo ter terminado a leitura naquele momento. Tempos atrás conhecemos todos os livreiros de rua daquela cidade e um deles é um sebo, o Araricuera. Ele sempre está por lá e na amizade ganha brindes do proprietário. Estava com um nas mãos, “O Diário Roubado”, da francesa Régine Deforges (Coeção Supertítulos – Klick Edditora, 1998, 114 páginas).

- Pai, o tema é dos mais instigantes. Uma jovem garota francesa, cenário em uma cidadezinha no interior do país. Léone ama Mélie, sua amiga de colégio, mas também gosta de Jean-Claude. A situação fica difícil quando alguém rouba o diário de Léone e a sua história relatada em detalhes é espalhada para todos, gerando algo inesperado. Aquilo que ela havia escrito em segredo, todo mundo ficou sabendo e o preconceito se alastrou como praga. De uma hora para outra, todos tomaram conhecimento do seu segredo.

- Isso filho é algo que todos estamos sujeitos. Diga-me, existe alguém neste mundo de hoje que não seja possuidor de segredos só seus, algo pelos quais, não gostaria de divulgar pro resto dos mortais?

- Interessante isto.

- Quem não tem um segredo só seu? Olho ao meu redor e isso toma contornos inimagináveis. Imagine algo que o Bolsonaro não conte para ninguém e de uma hora para outra é revelado e da forma mais torpe possível? Eu mantenho um diário e corro meus riscos, mas meus segredos são de polichinelo, mas mesmo assim, talvez assuste alguns. Quantosdiários foram publicados pos-mortem e geraram muita conversa. Assunto pra mais de metro.

- E onde a gente esconde uma coisa que não se quer que ninguém descubra? Qual o lugar confiável?

- Sei lá se esse lugar existe. O Geddel tinha aquelas malas todas de dinheiro e poucos o sabiam, mas um dos que sabiam o delatou e agora, todos sabemos. Escancarou algo que já imaginávamos dele, mas o contrário também pode ocorrer, surgir um fato novo da pessoa, algo que nem imaginávamos ser ela possível de fazer.

- As pessoas desabafam com diários e depois não sabem o que fazer com ele, pois ele pode cair em mãos pouco confiáveis.

- Então, esse negócio é muito louco. Imagino como deve ser o diário desta menina, confessando como se dá esse amor pela sua colega de banco escolar, relatos dos encontros, nada que os ao seu lado imaginavam ser possível. Isso tudo divulgado numa cidadezinha pequena, a fofoca correndo solta e os problemas todos que ela teve pela frente. Vai fazer com que assuma mais rapidamente sua condição.

- Nem sempre, pai. Pode gerar algo mais grave. Se ela não assumir, não possuir força para tanto, pode provocar uma tragédia. Gente se mata por causa disto. Mas me diga, se você tem um segredo, onde ele está escondido? Num lugar seguro?

- Pra você eu conto - e contei. É igual a relação da garota francesa com sua paixão e seu diário. Melhor alguém ficar sabendo, pois deve ser muito angustiante guardar um segredo de algo só para si, sem poder compartilhar com mais ninguém. Isso me faz lembrar uma história que o Laerte passou para os quadrinhos. Um cara híper-machista, cidade pequena, conhecido de todos, a mulher faz tudo para ele, arruma diariamente a roupa para ele sair, nãosabe fazer nada sózinho. Ele peludão, bigodudão, cara de bravo. Um dia, ela sai antes dele e isso o faz não saber o que fazer. Onde encontrar suas cuecas? Acha uma calcinha da mulher e a veste, sai com ela. Naquele dia, numa dessas infelicidades da vida, bate o carro e ali morre. Ao retirarem seu corpo das ferragens o encontram de calcinha e daí a consternação geral: “Mas como? Até ele! Como pode? Esse mundo está mesmo perdido. Achávamos tão macho, mas era o contrário”.

- Sim, trágico fim para uma reputação construída uma vida inteira nuns conformes conservadores. Já no caso do livro, o que a história suscita é algo da coragem de cada um após a revelação desse tipo de segredo guardado a sete chaves. Mas, me diga, você quer saber o final do livro?

- Você já leu?

- Sim, o fiz de uma sentada. Não é o melhor dos finais, quer saber?

- Não. Se já leu, me empreste o livro – e o tomo de suas mãos. Deixe comigo, vou encontrar um tempo neste próximo final de semana. Preciso pensar nisso tudo e em como continuar escondendo esse segredo a ti revelado, se vale mesmo a pena e se o melhor não é destruir tudo.

- Pai, você não tem a mesma idade da Léone. Eu também as vezes me ponho a pensar, onde esconder esses segredos, peças comprobatórias de algo só nosso e de mais ninguém. Onde? Vale a pena guardar isso? A história do Laerte suscita algo que pode vir depois de nossa morte. E em que mãos cairá o tal segredo? Você já pensou nisso pai?

- Nada que os cofres de um banco suíço não possa facilmente resolver. Vou abrir conta num segunda-feira.

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